Deixe a luz passar!

Deixe a luz passar!
Fiat lux!!!

domingo, 6 de abril de 2008

Torre de Babel!!!

Araçatuba, interior de São Paulo. O ano: 2005. Eu fui indicado por um amigo para trabalhar durante quarenta e cinco dias com uma grande quantidade de gente vinda de todos os cantos da Terra. Senti-me honrado e confesso que envaidecido. Afinal eram cientistas e técnicos com responsabilidades acima do nível, literalmente, de qualquer mortal simples, como eu. Vejam nos links abaixo do que se tratava:
http://www.pa.op.dlr.de/troccinox/Internal/internal.html; http://www.pa.op.dlr.de/troccinox/;http://www.cosis.net/abstracts/EGU06/09344/EGU06-J-09344.pdf; http://www.cosis.net/abstracts/EGU06/06650/EGU06-J-06650.pdf;
http://www.unesp.br/aci/jornal/198/atmosfera.php; http://www.if.ufrgs.br/spin/2004/spin406/JCE2652_02.htm;http://www.ambiente.sp.gov.br/prozonesp/noticias/010205.htm;http://www.atmos-chem-phys.org/7/3373/2007/acp-7-3373-2007.pdf
.
Essas coisas nunca são tão simples como nossa excitação supõe de maneira vã. Por isso resolvi viajar ao local, para previamente conhecer as instalações, as pessoas, saber que tipo de apoio precisaríamos, para enfim trabalhar freneticamnete a partir da data marcada. Fui.
Lá chegando, o Sr Álvaro Antonio de Oliveira Lellis, de quem me tornei amigo, me aguardava na presença da Sra Vanda Simei Bolcone, de São José do Rio Preto, encarregada de apoiar materialmente tudo, ou quase tudo que precisássemos e do Sr Onivaldo Massagli, engenheiro eletricista, também do DAESP e cooordenados pelo Sr Ricardo Volpi, DAESP de São Paulo. Levaram-me ao aeroporto. Mostraram-me tudo que havia, inclusive o que viria a ser a Torre de Controle (TWR) e o Controle de Aproximação (APP) Araçatuba, por um período. Anotei cuidadosamente as necessidades, nomes e telefones de pessoas. Tudo quanto foi pedido, de uma forma ou de outra acabou sendo feito, afinal era o evento. A logística do DAESP funcionou e bem.
Mas houve um ponto crucial. Este, nem por decreto conseguiriam, até porque não era responsabilidade sua.
Caberia ao Serviço Regional de Proteção ao Vôo, providenciar um gravador, um mero gravador de voz e dados para que a segurança das telecomunicações fossem registradas apropriadamente e todos pudessem trabalhar, mas não deu. Bem, a roda continua girando e nós dentro dela também giramos; logo: o que não tem remédio, remediado está, certo? Errado. Talvez Nietsche queira se levantar do túmulo ou seja lá de onde esteja e tomar satisfações, mas isso é outro papo. O importante é que o tempo passou eu voltei pra casa, me despedi e voltei à Araçatuba do “big” evento.
Incrível como as pessoas conseguem realizar coisas, que à primeira vista parecem impossíveis, mas que, tomadas de vontade, as realizam com facilidade estonteante. Tudo funcionava perfeitamente, os equipamentos do SRPV, os do DAESP, os da Empresa Aérea Pantanal, e os da Empresa Saipher, que cedeu sem ônus algum seus sistemas e equipamentos de automação de torre de controle, o SGTC, os computadores, enfim todo o planejado. Mas e o bendito gravador? Os gringos quase chegando com seus “jatinhos”, cheio de equipamentos medidores e captadores de todo tipo de informação meteorológica. Caramba, isso me dava medo e deu muito.
A pesquisa que a essa altura já é de conhecimento dos leitores, que certamente passaram as vistas nos sites relacionados, começaria com a chegada das aeronaves alemã, russa e brasileira. Coordenações mil, com os CINDACTAS 1 e 2. Recomendações idem e bota expectativa em cada um de nós, os envolvidos em cada setor e mais ainda dos habitantes da cidade.
Recebemos o primeiro plano de vôo. Apesar do tempo encoberto, pousou normal, sem problemas. Já o segundo. O segundo, surpreedeu. Alemão fazendo besteira é raro, mas quando faz, faz para marcar. Injustiça à parte, foi uma infelicidade da tripulação. Quero e vou acreditar nisso, mas tenho que expor. No decorrer da campanha, como eles mesmos denominavam, mostraram toda sua capacidade em lidar com condições climáticas adversas, afinal esse era o trabalho deles. Se conto isso é porque quero chamar a atençao para o item gravador. Lembram? Pois é, nessa hora ele ainda se fazia ausente e poderia trazer um tremendo problema internacional a todos e em particular a mim e aos controladores por extensão. A besteira alemã foi não cumprir as orientações dos controladores, o que no caso de um acidente, não deixaria provas fáceis de serem encontradas e eximir a culpa de quem não a tinha. Felizmente tudo acabou bem, mas eles ouviram e humildemente aceitaram as orientações para que não se repetissem incidentes e se criassem outros. Cumpriram dignamente.
Agora, quero deixar registrado o ponto mais importante dessa história e reconhecer neste texto a justiça que, merecidamente, deveria ter sido feita ao engenheiro Poli, da INFRAERO Guarulhos. Um dos profissionais dos quais mais me orgulho de ter conhecido e trabalhado. Poderia usar muitas palavras selecionadas, rebuscadas, obedecendo meu limite, e ainda assim seria o mínimo para falar do engenheiro Vicente Carlos Poli. Todos quantos o conheceram sabem do que estou falando. Sua família sabe do que estou falando e se não sabe, agora saberá. O relato será simples, como foi sua atitude, mas a grandeza do ato, não tem como ser mensurada.
Eu já tinha dado como encerrado o caso do gravador e me ocupava de outras tantas tarefas diárias, quando o telefone celular tocou. Era o Poli. Sempre de bom humor, brincou um pouco, não disse coisa com coisa e eu também, descontraído até ele dizer que estava passando e soube que eu precisava de um gravador. Passando onde? perguntei. Ele respondeu que estava depois de Três Lagoas e que voltara por alguém, que suponho, hoje, ter sido o Moreira, da Saipher ATC, ter falado algo. Como estava “próximo”, resolveu ver se podia ajudar. Esse era o Poli. Desviar de sua rota de trabalho porque um amigo precisava. Claro que a essa altura ele já tinha falado com seu chefe em Guarulhos, e até o grande Ribeiro Mendes já devia saber. Mas o que importava era o ato dele, a vontade de ver o “sistema” funcionar, e com ele funcionava. Era engenheiro, afinal. Um profissional com pe maiúsculo.
Descoberto o motivo de sua ligação, e acertada a data e os termos da entrega do equipamento no fim da missão, digo campanha, em São Paulo, passamos a estudar a forma de viabilizar o transporte do equipamento de Guarulhos para nossas mãos em Araçatuba. O que foi resolvido com a gentileza da Pantanal Linhas Aéreas. Pronto, a partir de então, a tranqüilidade voltou ao ambiente de trabalho e o engenheiro Poli prosseguiu sua viagem de benfazejos. Pasmem, tudo isso sem um documento que amparasse nossas atitudes, apenas o compromisso com a segurança do controle do tráfego aéreo. Claro que se pode questionar tudo isso em várias instâncias. Mas porque foi feito, caso contrário ninguém se daria conta, a não ser que o alemão se acidentasse.
Estive com o Poli mais uma vez, no final de 2005. Entristeço ao pensar que o Sistema não pode mais contar com ele, que nós não podemos mais contar com sua presença física, talvez metafísica. Mas, fico feliz de tê-lo conhecido e compartilhado de sua filosofia de vida.
Adeus, ainda que tardio, e um até breve, grande Poli!

sábado, 5 de abril de 2008

Bad Weather!!!


O ano acho que foi 1984. Bem que podia ser o 1984 vaticinado por George Orwell. Mas que nada, as únicas coisas disponíveis eram minha pouca capacidade de lidar com situações novas, algum parco conhecimento de navegação aérea e muita calma e disposição para ajudar.
Fim de tarde no centro oeste. Mais duas horinhas e eu estaria em casa curtindo os dois filhos, a esposa e um, já falecido, tio que viera do Rio, fazendo boa surpresa em nos visitar. Tudo quase perfeito.
Quase. Não fosse o PT KOD, um PA-31, decolado de Cuiabá para a Fazenda Cofap e já voltando, encontrar toda a região com tempo fechado. Cuiabá para onde retornava, completamente sem condições de pouso, teto baixo, visibilidade horizontal baixa. Possíveis alternativas como Corumbá, Campo Grande, Urubupungá e Ponta Porã também apresentavam condições semelhantes inviabilizando seu direcionamento para essas localidades.
Os pilotos, os quais conheci pessoalmente muito tempo depois, eram novos e demonstraram sua preocupação gaguejando ao confirmarem o recebimento dessas informações cruciais para sua tomada de decisão. Até hoje não sei se por causa das circunstâncias climáticas ou porque conduziam toda a diretoria da empresa, como vim a saber ao conhecê-los. De qualquer forma as duas fazem muito sentido e, postas juntas, mais ainda.
Soubemos que Goiania estava CAVOK ( ceiling and visibility ok). Isso era ótimo, mas para complicar, sua autonomia de vôo estava restrita em função da distância a ser voada. Nessa hora, Nossa Senhora da Providência, que não dorme nunca, resolveu dar uma maõzinha ao controlador, que sentindo a crescente preocupação dos jovens pilotos, pede que peguem os manuais de vôo da aeronave e descubram qual o melhor nível de vôo e a velocidade ideal para o menor consumo de combustível. Isso surtiu o melhor efeito possível ao seu ânimo, pois retornaram à conversação calmos e com as informações necessárias à continuidade do vôo, o que implicou em mudança de nível e de velocidade.
Bem, agora as coisas começavam a ficar sob controle. Destino certo: Goiânia. Mas aquele “detalhezinho” de autonomia continuava a preocupar. Nesse momento o Mário, grande colega, que me substituíria já havia chegado e ajudava no que podia, pois estava quase afônico, vitimado de amigdalites, tentando obter o máximo de informações com o CINDACTA 1, em Brasília, para apoiar esse vôo. Olhando no mapa a minha frente, encontrei Aragarças e comentei com o piloto sobre essa possibilidade, já que a tal autonomia era crítica. Ele achou ótima a idéia e passou a considerá-la como uma possibilidade de alternativa. No entanto, eu desconhecia que o aeródromo de Aragarças, que fica às margens do rio Araguaia, estava passando por reformas radicais e não oferecia condições de pouso. O Meireles, operador da Estação Rádio de Campo Grande, sem que soubéssemos, havia se comunicado com a Polícia Federal em Barra do Garças, localizada à outra margem do rio, disse que lá haveria condições de pouso e o tempo estava excelente. Só que havia um complicador, sempre há um nessas horas, não havia balizamento para operação noturna. Que ajuda! Pensamos.
Mas o incansável e discreto anjo Meireles traz a boa informação de que Polícia Federal convocou a cidade para, com seus carros, iluminar a pista e possibilitar o pouso dos nossos ases. Bem, havia ainda aquele “detalhezinho”: autonomia! Perguntei a eles qual era a remanescente e nossas preocupações aumentaram, era duvidoso que conseguissem chegar a Goiânia. Comentei em particular com o Mário, que se eles não quisessem tentar o pouso em Barra do Garças era certo caírem. Insisti em saber qual seria sua decisão:
- Comandante, devo informá-lo que Aragarças está em obras, mas Barra do Garças oferece condições de pouso com iluminação por faróis de carros postados às margens da pista para iluminação de emergência. Informe sua intenção?
Piloto:
- Aguarde!
Aguardamos um tempo que representava uns duzentos e trinta e dois anos. Voltaram, e a essa altura estavam próximos a Barra do Garças. Decidiram então tentar o pouso, pois avistaram as luzes da cidade. Seguiu-se um silêncio misto de alívio e preocupação acentuada.

Assim, foi que mercê das coordenadas do auxílio rádio (uma espécie de estação de rádio tipo AM, que por meio da rosa dos ventos eletrônica, permite manobras técnicas de orientação) que não estava funcionando, conseguiram, às suas custas, se alinhar com a pista. Falamos até esse momento, graças ao equipamento de HF, alta freqüência, da antiga TASA, a predecessora da INFRAERO atual, e da boa vontade do seu operador, o Milton, em ceder-nos. Só deixamos os pilotos em paz depois de pedirem para os carros baixarem a intensidade das luzes, porque ofuscavam-lhes a visão e para que aguardássemos pois o pouso era iminente. O Meireles entrou em ação e assim foi feito. Marconi deve ter se orgulhado da coordenação.
Bem, não tenho religião e até onde me lembro, o Mário também não. Mas não sei se por influência de Nossa Senhora da Providência, aquela santa de plantão eterno, ou por medo mesmo das tais possíveis conseqüências, rezamos ou chegamos próximo a isso. Digo por mim e pelo que pude perceber do próprio Mário.
O silêncio mostrava nossa inquietação e expectativa de bom sucesso dos pilotos, passageiros e nossa por conseqüência. Nenhuma comunicação se estabeleceu a partir da solicitação dos pilotos e mesmo que quiséssemos quebrar o voto de espera, não poderíamos fazê-lo. Já não havia meio físico capaz de estabelecer conversação com eles, o rádio não alcançava. Isso aumentava os níveis de ansiedade e preocupação, mas mantivemo-nos calados até que o Meireles, sempre ele, chegou com uma folha de papel de Telex (será que alguém das novas gerações sabe o que era isso? Vou deixar a cargo de suas curiosidades a pesquisa em: 
http://en.wikipedia.org/wiki/Telegraphy) onde se lia que a aeronave havia pousado e sem qualquer dano. Todos estavam bem e tudo saíra melhor que o esperado.
Respiramos aliviados, agradecemos a todos quantos participaram dos trabalhos e cada um voltou aos seus afazeres rotineiros. Só não me lembro do nome do controlador de Brasília que disse, após o desfecho, me dever umas Brahmas. Será que ele ainda se lembra disso?

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Tráfego Aéreo!!!

A noite começara como sempre começava naqueles tempos. Um avião da Varig chegava por volta das 19:00 horas, 23:00 UTC (Hora Universal Coordenada, já traduzida para o português, antigamente dizia-se GMT, Greenwich Middle Time) e eventualmente um ou outro gato pingado aparecia para quebrar nossa rotina de controladores de tráfego aéreo na cidade de Campo Grande.
Bem antes de entrar em nossa área de controle, a Terminal Campo Grande (TMA-CG), com suas, então, 54 milhas náuticas(NM), cem quilômetros, de raio, o avião da Varig nos chamava para saber informações das condições de operação do aeródromo, que constavam de visibilidade horizontal e vertical, temperatura e ponto de orvalho, pista em uso, tipos de nuvens, ajuste de altímetro, nível de transição e hora certa. Feito isso o avião voltava à freqüência do Centro de Controle de Área (ACC) até iniciar a descida e cruzar um nível de vôo específico, para, aí sim, continuar suas comunicações com o Controle de Aproximação (APP) e por fim passar à freqüência da Torre de Controle (TWR) e pousar.
Ocorre que um desses eventuais vôos que quebravam nossa rotina era um avião da Força Aérea, chegando de uma missão local em nossa Terminal. Fez tudo como de costume. Recebeu suas instruções, mas decidiu continuar em vôo local, agora na Zona de Tráfego (ATZ), área de jurisdição da TWR. Até aí tudo normal, sem nada que o diferenciasse de outro vôo comum. Acontece que o Varig a essa altura já tinha sido transferido ao APP, é assim que dizemos, e como a visibilidade era excelente, mesmo estando distante, questionou sobre a existência de um possível tráfego essencial no setor Oeste. Para ele que vinha de São Paulo, isso significava ir de encontro ao "tal" tráfego. Eu o informei que não havia qualquer tráfego no setor Oeste, mas sim o tráfego de uma aeronave Bandeirante, da Força Aérea, porém no setor Sudeste. Ou seja, não podia ser esse Bandeirante que ele avistava.
Esse fato intrigou-me e fiquei inquieto na TWR. Olhei várias vezes para o setor Oeste e nada vi. Ao informar isso ao Varig, recebi uma mal humorado retruco do piloto, que afirmava haver, sim, um tráfego e ainda estava com as luzes de navegação piscando e se eu não o via, algo estava errado. Isso queria dizer que eu estava no mínimo cego, para não pensar coisa pior, como por exemplo, que eu era incopetente.
Minha calma habitual para controlar estava se esvaindo, quando para meu desespero o Bandeirante, que até então estava calado, resolveu sair em defesa do Varig dizendo que também avistava o tráfego. Não é possível que esses caras estão vendo um tráfego e eu não. Será que estou mesmo ficando cego? Pensei.
Agora o Varig tinha a posição exata, inclusive que cruzava sua proa, indo para o Norte. Nesse momento, queria estar em outro lugar, como queria! Mas eis que de repente o Varig retoma o diálogo todo reticente, dizendo tratar-se de um carro de polícia e não um "tráfego". Olhei para a rodovia e constatei que era realmente um carro. Dava para ver as luzes por entre os eucaliptos. O alívio que tive é impossível de ser retratado agora, que já faz mais de vinte anos do fato.
Eu como bom controlador não podia deixar barato todo aquele estresse vivido, mandei:
- Varig, esse cara não tava voando muito alto para um carro, não?
Silêncio no rádio.
Entra o Força Aérea:
- Tudo bem Torre, mas que parecia um tráfego, parecia!
Eu rindo, sem condições de segurar:
- Era um tráfego, mas só que não era aéreo, era rodoviário, né?!?!?!
A partir daí, foi seriedade total nas comunicações. Nenhum dos dois ousou se referir ao tal carro e pousaram restringindo-se à fraseologia técnica padrão.
Nem boa noite desejaram, mas eu sim, e ganhei a noite!