Deixe a luz passar!

Deixe a luz passar!
Fiat lux!!!

sábado, 5 de abril de 2008

Bad Weather!!!


O ano acho que foi 1984. Bem que podia ser o 1984 vaticinado por George Orwell. Mas que nada, as únicas coisas disponíveis eram minha pouca capacidade de lidar com situações novas, algum parco conhecimento de navegação aérea e muita calma e disposição para ajudar.
Fim de tarde no centro oeste. Mais duas horinhas e eu estaria em casa curtindo os dois filhos, a esposa e um, já falecido, tio que viera do Rio, fazendo boa surpresa em nos visitar. Tudo quase perfeito.
Quase. Não fosse o PT KOD, um PA-31, decolado de Cuiabá para a Fazenda Cofap e já voltando, encontrar toda a região com tempo fechado. Cuiabá para onde retornava, completamente sem condições de pouso, teto baixo, visibilidade horizontal baixa. Possíveis alternativas como Corumbá, Campo Grande, Urubupungá e Ponta Porã também apresentavam condições semelhantes inviabilizando seu direcionamento para essas localidades.
Os pilotos, os quais conheci pessoalmente muito tempo depois, eram novos e demonstraram sua preocupação gaguejando ao confirmarem o recebimento dessas informações cruciais para sua tomada de decisão. Até hoje não sei se por causa das circunstâncias climáticas ou porque conduziam toda a diretoria da empresa, como vim a saber ao conhecê-los. De qualquer forma as duas fazem muito sentido e, postas juntas, mais ainda.
Soubemos que Goiania estava CAVOK ( ceiling and visibility ok). Isso era ótimo, mas para complicar, sua autonomia de vôo estava restrita em função da distância a ser voada. Nessa hora, Nossa Senhora da Providência, que não dorme nunca, resolveu dar uma maõzinha ao controlador, que sentindo a crescente preocupação dos jovens pilotos, pede que peguem os manuais de vôo da aeronave e descubram qual o melhor nível de vôo e a velocidade ideal para o menor consumo de combustível. Isso surtiu o melhor efeito possível ao seu ânimo, pois retornaram à conversação calmos e com as informações necessárias à continuidade do vôo, o que implicou em mudança de nível e de velocidade.
Bem, agora as coisas começavam a ficar sob controle. Destino certo: Goiânia. Mas aquele “detalhezinho” de autonomia continuava a preocupar. Nesse momento o Mário, grande colega, que me substituíria já havia chegado e ajudava no que podia, pois estava quase afônico, vitimado de amigdalites, tentando obter o máximo de informações com o CINDACTA 1, em Brasília, para apoiar esse vôo. Olhando no mapa a minha frente, encontrei Aragarças e comentei com o piloto sobre essa possibilidade, já que a tal autonomia era crítica. Ele achou ótima a idéia e passou a considerá-la como uma possibilidade de alternativa. No entanto, eu desconhecia que o aeródromo de Aragarças, que fica às margens do rio Araguaia, estava passando por reformas radicais e não oferecia condições de pouso. O Meireles, operador da Estação Rádio de Campo Grande, sem que soubéssemos, havia se comunicado com a Polícia Federal em Barra do Garças, localizada à outra margem do rio, disse que lá haveria condições de pouso e o tempo estava excelente. Só que havia um complicador, sempre há um nessas horas, não havia balizamento para operação noturna. Que ajuda! Pensamos.
Mas o incansável e discreto anjo Meireles traz a boa informação de que Polícia Federal convocou a cidade para, com seus carros, iluminar a pista e possibilitar o pouso dos nossos ases. Bem, havia ainda aquele “detalhezinho”: autonomia! Perguntei a eles qual era a remanescente e nossas preocupações aumentaram, era duvidoso que conseguissem chegar a Goiânia. Comentei em particular com o Mário, que se eles não quisessem tentar o pouso em Barra do Garças era certo caírem. Insisti em saber qual seria sua decisão:
- Comandante, devo informá-lo que Aragarças está em obras, mas Barra do Garças oferece condições de pouso com iluminação por faróis de carros postados às margens da pista para iluminação de emergência. Informe sua intenção?
Piloto:
- Aguarde!
Aguardamos um tempo que representava uns duzentos e trinta e dois anos. Voltaram, e a essa altura estavam próximos a Barra do Garças. Decidiram então tentar o pouso, pois avistaram as luzes da cidade. Seguiu-se um silêncio misto de alívio e preocupação acentuada.

Assim, foi que mercê das coordenadas do auxílio rádio (uma espécie de estação de rádio tipo AM, que por meio da rosa dos ventos eletrônica, permite manobras técnicas de orientação) que não estava funcionando, conseguiram, às suas custas, se alinhar com a pista. Falamos até esse momento, graças ao equipamento de HF, alta freqüência, da antiga TASA, a predecessora da INFRAERO atual, e da boa vontade do seu operador, o Milton, em ceder-nos. Só deixamos os pilotos em paz depois de pedirem para os carros baixarem a intensidade das luzes, porque ofuscavam-lhes a visão e para que aguardássemos pois o pouso era iminente. O Meireles entrou em ação e assim foi feito. Marconi deve ter se orgulhado da coordenação.
Bem, não tenho religião e até onde me lembro, o Mário também não. Mas não sei se por influência de Nossa Senhora da Providência, aquela santa de plantão eterno, ou por medo mesmo das tais possíveis conseqüências, rezamos ou chegamos próximo a isso. Digo por mim e pelo que pude perceber do próprio Mário.
O silêncio mostrava nossa inquietação e expectativa de bom sucesso dos pilotos, passageiros e nossa por conseqüência. Nenhuma comunicação se estabeleceu a partir da solicitação dos pilotos e mesmo que quiséssemos quebrar o voto de espera, não poderíamos fazê-lo. Já não havia meio físico capaz de estabelecer conversação com eles, o rádio não alcançava. Isso aumentava os níveis de ansiedade e preocupação, mas mantivemo-nos calados até que o Meireles, sempre ele, chegou com uma folha de papel de Telex (será que alguém das novas gerações sabe o que era isso? Vou deixar a cargo de suas curiosidades a pesquisa em: 
http://en.wikipedia.org/wiki/Telegraphy) onde se lia que a aeronave havia pousado e sem qualquer dano. Todos estavam bem e tudo saíra melhor que o esperado.
Respiramos aliviados, agradecemos a todos quantos participaram dos trabalhos e cada um voltou aos seus afazeres rotineiros. Só não me lembro do nome do controlador de Brasília que disse, após o desfecho, me dever umas Brahmas. Será que ele ainda se lembra disso?

2 comentários:

  1. Meu amigo Zé tal (Isto é nome que se apresente...)
    Parabéns pela narrativa,me senti dentro da história,vivendo cada momento narrado.
    Conhecedo-o, já la se vão 32 anos, sei que vc ,como excelente profissional,conhecedor profundo deste assunto, viveu cada momento deste fato.
    Somente nós, Controladores de Tráfego Aéreo,sabemos o que é viver uma situação destas do lado de cá, as apreensões, as dúvidas, as inseguranças... e a sensação do dever abnegado cumprido.

    Parabéns!!!

    Forte abraço e fique em paz!!!

    Paulo Roberto Migray

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  2. E a fama literária dos controlaodres só aumenta!!! Abração, Alves.

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