Deixe a luz passar!

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Fiat lux!!!

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

As quatro estações.


Gilda acordou verão. Não tomou conhecimento do ritmo lento que a casa tinha, varreu, limpou, lavou, sacudiu uns três ou quatro pelos ombros e seguiu sua trajetória rumo a outro fazer. Assim foi durante grande parte de sua vida: indo e vindo.
Sílvia acordou outono, meio sem ânimo, cansada, quase triste, pouca conversa, já não cantava e nem ouvia música, o que adorava fazer. Viu que muito precisava ser feito, mas não fazia. Precisava descansar, retomar as energias, revigorar-se. Retirou-se para a casa de uma tia distante e lá esperava se refazer, voltar à vida com o vigor de sempre. Assim fez.
Lídia estava dormindo ontem e hoje ainda não se levantou. Alguns até pensaram que ela havia morrido. Com medo de encontrá-la morta, ligaram para seu irmão que morava na cidade vizinha. Ele veio o mais rápido que pôde e depois de trinta minutos chegou a casa da irmã. Não foi tarefa fácil arrombar a porta e entrar, precisou da ajuda dos vizinhos, que a essa altura tinham certeza do passamento de Lídia. Entraram e lá estava ela, encolhida na cama, olhos semi-abertos, pálpebras pesadas e arroxeadas. Que doença havia acometido Lídia? Ela era tão ativa e agora estava ali em total languidez. Todos choraram por Lídia que por nada se comovia.
Sofia acordou alegre, pulou da cama sorrindo como já não fazia há meses. Correu até a janela e ao abri-la respirou profundamente o ar perfumado que invadiu o quarto. Olhou para a frente da casa e cantou uma canção alegre, colorida como as flores que viu. Sentiu que amaria a tudo e a todos, fez poesia e tomou banho de chuva correndo pelo campo das mentes. Visitou riachos e brejos colhendo cores primaveris. À tarde, sentava-se na varanda e observava o pôr-do-sol calmamente, mas com um olho no amanhecer. Sentia crescer sua energia a cada dia. Que maravilha é viver, dizia.
Como há uma conexão não muito bem entendida entre tudo e todos nesse mundão, um dia ouviram falar uma da outra. Decidiram, cada uma de sua parte, se encontrar. Era estranho, pois quando Sofia e Gilda tentavam chegar a Sílvia ou Lídia, se perdiam mesmo sabendo que estavam próximas de suas casas. Por vezes Sofia pensou ter visto Lídia caminhando lentamente em sua direção, mas não tinha certeza.
Gilda com sua energia estonteante jurou não descansar enquanto não as encontrasse; continua tentando.
Sílvia, apesar do desânimo, também rumava compassada ao encontro das outras, mas logo desistia sempre era tomada pelo cansaço excessivo.
Lídia sentia que devia sair, mas não conseguia falar, quanto mais empreender esforço para caminhar; nem pensar.
Assim a vida de todas essas mulheres continuou por muitos anos, cíclica, previsível, fatídica. Porém em um desses dias em que tudo pode acontecer, surgiu na janela de Lídia um raio de sol que a tocou na face pálida transmitindo calor e luz como nunca havia ocorrido, mas que a cegou obrigando-a a cerrar os olhos por completo. Lídia como que por mágica - acho que foi mesmo -, conseguiu erguer-se na cama, abriu e fechou os olhos repetidamente até acostumar-se à claridade e quis ver mais, sentir mais, abraçar aquele sol que lhe transmitia tanta vida e prazer.
Conseguiu sair da cama e caminhou até a janela, quase sorriu, não sabia como fazê-lo mais. Insistiu e deixou que cada emoção fosse redescobrindo seu ser e por fim já estava em pé do lado de fora pisando a grama que ainda guardava um pouco do frio. Isso a despertou de vez: calor e frio, equilíbrio. Foi quando notou a aproximação de mais três mulheres em volta da praça, cada qual com sua beleza contagiante e pôde assim, perceber por fim a sua própria e única beleza. Encontraram-se brevemente e cada uma seguiu seu caminho, para de vez em quando, se encontrarem e girar ao ritmo das quatro breve estações, mas só quando a saudade bate e o Sol permite a condição da vida.

Um comentário:

  1. Uma alegoria melancólica, mas nem por isso menos sensível, bela e repleta de lições.
    Muito bom o seu conto.
    Um abraço!

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