Deixe a luz passar!

Deixe a luz passar!
Fiat lux!!!

sábado, 21 de abril de 2012

Enquanto a lua passeia!


http://1.bp.blogspot.com/-2V16rr73v2s/TzKe7KjrUOI/AAAAAAAABX0/AYxbuzrbKYc/s320/Arcanjo+Lycan+Na+Noite+de+Lua+Cheia.jpg

Enquanto a lua passeava em sua rotina celeste eu permanecia parado, acompanhando apenas com o olhar sua trajetória. Senti um pouco de frio e me acomodei na rede, puxei suas bordas e me cobri. O corpo aquecido quis dormir, mas teimei em continuar acordado revendo minhas lembranças: lugares, pessoas, aromas e um menino que habitou alguns tristes pores de sol nas montanhas de Minas Gerais.

Lembrei da avó que o levou a conhecer e reconhecer as plantas medicinais e que o pôs à prova em momento de real necessidade. Saiu-se bem. Aprendeu direito. As feridas foram curadas e até hoje sabe o poder que tem a “carobinha do campo”. Seu irmão talvez nem se lembre disso; o menino sim.
A igrejinha hoje nem existe mais, derrubaram. O gente que gosta de apagar a memória do povo. Impossível não lembrar, neste momento, de George Orwell (Eric Arthur Blair) e seu 1984 sempre atual.

Acabaram com a estrada de ferro que ligava a cidade a, salvo engano, Tiradentes. Tá lá a máquina parada, virou peça de admiração das pessoas, podia estar fazendo um bom trabalho e gerando renda para o município e o povo, trazendo e levando gente.

Até o riacho em que o menino costumava cruzar pisando nas pedras já mudaram. Tudo bem, fizeram uma ponte bem legal e útil a todos, espero; não pude constatar.

Quer saber não sou contra mudanças, mas é foda quando matam nossa memória, nossa história e destroem nossa identidade.
O Mestre Severino sabia de tudo e o Pedrinho de todos. Ambos deixaram sementes que estão germinando, mas que estão ocupados tentando construir e viver suas próprias histórias.

Revisitei a ponte em construção. Hoje já mais que acabada, resiste sobre a linha férrea. Não sei como me deixei convencer em meus plenos seis anos de idade, por meu primo e um bando de loucos moleques irresponsáveis, a passar sobre aquele monte de ferro armado e pronto para receber o concreto. Não sei mesmo, mas passei. Era um teste, agora me dou conta, também passei, a prova é que estou aqui. Tá, já tive muitos pesadelos por conta disso, mas e daí, eu os teria de qualquer modo e ainda os tenho. O bom é que criança voa e voando escapa de tudo, até dos pesadelos.
Por falar em pesadelos o cemitério da igreja foi o campeão em minha vida. Aquele lugar povoou meus sonhos mais que qualquer outro; tenho certeza disso.

E a Guiomar, aquela mulher estava mil e trezentos anos à frente de seu tempo. Acho mesmo que caiu de alguma nave interestelar que passava por ali, de bobeira, dando um rolé: pimba! Caiu e ficou pra trás. Sorte tê-la conhecido agora e sem medo.

O Doutor Euclides acho que era farmacêutico e curava tudo. Sinto cheiro do iodo e o vejo em seu habitat. Só tenho dúvidas de sua aparência, devo tê-lo visto umas duas ou três vezes em toda a minha existência lá.

Tio Mané foi o cara mais engraçado que conheci e que humor tinha aquele sujeito. Dele guardarei o céu estrelado que vi pela primeira vez montado em suas costas, com a cabeça inclinada para trás, descendo o morro aos solavancos de suas passadas. Depois disso nunca mais deixei de olhar o céu. Obrigado, Tio Mané!

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Tia Tunica me conduzia pela mão, pacientemente, até a lavoura onde meu pai trabalhava como empregado. Não me lembro de como se chega nesse lugar, mas me lembro muito bem da estrada por entre a plantação de tomates - sinto, até hoje, o perfume dos frutos verdes e de alguns já amadurecendo - e do encontro com meu pai, na chegada. Não falava ainda, mas, se falasse, diria que aqueles foram momentos muito felizes.

Será mesmo?


As histórias são as mesmas; o que muda é o contador.