
É verdade, aconteceu de anteontem pra ontem. Pela manhã tivemos a constatação. Uma grande tristeza acometeu a família. Elvis, o grande Elvis. Cantor fenomenal, impunha seu canto madrugada adentro, sem contudo, ser um boêmio. Mas, como gostava mesmo de cantar, cantava nas madrugadas. Claro que eu senti mais sua morte. Fui eu seu fã número um. Lembro-me bem da primeira vez que o vimos. Imponente e garboso com sua indumentária natural caminhava na alameda que ligava a casa ao pomar, próximo às jabuticabeiras. Não se incomodou com nossa presença, apenas dignou-se a nos olhar e, eu diria, desdenhoso continuou sua caminhada em passo de duque, todo engalanado com destino a uma possível festa da nobreza. Colhemos muitas jabuticabas e nos despedimos da tia de minha mulher; mas aquela imagem não me saía da mente. Não sabíamos seu nome e nem por que estava lá. O fato é que marcou sua presença junto a nós, principalmente junto a mim. Saímos pelo estúdio.
Algum tempo se passou até que voltássemos ao cenário que nos apresentou, mesmo que só visualmente. Dessa vez o Jarbas, marido da tia de minha esposa, percebeu sua aproximação e o tocou carinhosamente. Pensei: caramba, ele é amigável e se dá bem com o Jarbas, afinal é só pose que ele tem, é de carne e ossos como todo vivente. O Jarbas me confidenciou que o tratamento entre eles tinha sido daquele modo desde sempre. Admirei.
Depois daquela demonstração de boa convivência, passei a admirá-lo e observar suas atitudes. Passava o dia vagando no pomar e ao anoitecer dirigia-se a casa e permitia-se um repouso. Era sua rotina diária. Acordava cedo. Cantava suas canções. Saía em direção ao estúdio e só voltava à noite, para então ocupar seus aposentos. Um ciclo de vida simples, mas repleto de namoradas, umas quinze. Todas muito lindas também, como ele. Assim era o Elvis.
Nossa vida tomou rumos que só nos permitiu um reencontro depois de alguns meses. Perguntei à tia de minha esposa se poderíamos levá-lo para nossa casa. Surpreso, recebi seu consentimento. Estava decidido: agora mudaríamos sua rotina, interferiríamos diretamente em sua vida programada. O estúdio, ele deixaria para trás. O vasto pomar, talvez só na lembrança. Afinal, nossa casa não dispunha de uma área tão grande quanto aquela, mas não era pequena e até tinha e tem mangueiras, jabuticabas, tangerina, acerola, enfim, um pequeno pomar. As namoradas, sim, essas não poderiam faltar e era até por esse motivo que já estávamos mudando sua vida. Só que não seriam mais as mesmas, arranjamos apenas três, novas e de diferentes origens, mas todas muito bonitas e não pareciam descontentes com a atual proposta. Pensamos que seriam do seu agrado. Não erramos. Ele se mostrou bastante entusiasmado, apesar de meio preocupado com a nova morada; notei. Outra mudança significativa foi nos aposentos. Agora sua rotina seria um pouco diferente, moraria fora de casa e teria que se arranjar, por enquanto, como pudesse com suas companheiras. Ele estava frente ao primeiro desafio: constituir uma família e em terras desconhecidas. É bem verdade que não seriam por muito tempo, era apenas uma questão de dias e tudo se arranjaria, estaria adaptado. Das três, a Carolina – homenagem à sobrinha Carol – foi a mais atrevida, deixou-se encantar por ele e logo estariam em namoricos fortuitos. A Pretinha deixou-se abater por ele e não o largava, estava sempre ao seu redor. A Branquinha, totalmente submissa aos seus caprichos, dormia aninhada a ele todas as noites. Definitivamente ele estava bem.
Depois de alguns dias vendo-os dormindo em condições não muito condizentes com sua estirpe, construí algo, que na minha concepção, assemelha-se a um palácio. Lá os alojei com alguma oposição de sua parte e da Branquinha. Acho até que por insistência dela, pois onde estavam, eles gozavam de alguma privacidade e pequenas regalias, apesar de ser ao relento, pobre Elvis. Ok, tudo bem, foi por pouco tempo mesmo.
Nesse “palácio”, Elvis, Branquinha, Pretinha e Carolina tiveram muitos descendentes.
Viviam felizes, até ontem.
Às seis horas da manhã, Salete dirigiu-se ao quintal anexo de nossa casa e serviu um, digamos, “café da manhã”, aos “hóspedes”. Notou, sem se preocupar, a ausência do Elvis. Eu levantei-me às sete e vinte e estava tomando café, quando ouvi a insistência da Salete a me chamar. Pensei, meio chateado, que não era hora de chamados insistentes naquele momento. Cedi e respondi ao seu chamado saindo à porta da cozinha. Nesse exato momento, minha mãe, que passa uns dias conosco, também saiu e deparamos com a Salete já despejando a notícia em nossas caras mal lavadas, a minha pelo menos, e explicando a ausência dele devido à sua morte misteriosa.
Aquela notícia pegou-me na pior hora do dia (qualquer hora entre cinco e nove horas é a pior hora do dia para mim, agora e sempre). Mas tudo parecia ter perdido a graça, afinal era o Elvis, parceirão. Ficamos tão amigos, que até pegá-lo e acariciá-lo eu fazia. E, agora lá estava ele estendido, duro e frio com algumas formigas se encarregando de começar o processo natural de limpeza e abastecimento de víveres, seus, claro.
Às seis horas da manhã, Salete dirigiu-se ao quintal anexo de nossa casa e serviu um, digamos, “café da manhã”, aos “hóspedes”. Notou, sem se preocupar, a ausência do Elvis. Eu levantei-me às sete e vinte e estava tomando café, quando ouvi a insistência da Salete a me chamar. Pensei, meio chateado, que não era hora de chamados insistentes naquele momento. Cedi e respondi ao seu chamado saindo à porta da cozinha. Nesse exato momento, minha mãe, que passa uns dias conosco, também saiu e deparamos com a Salete já despejando a notícia em nossas caras mal lavadas, a minha pelo menos, e explicando a ausência dele devido à sua morte misteriosa.
Aquela notícia pegou-me na pior hora do dia (qualquer hora entre cinco e nove horas é a pior hora do dia para mim, agora e sempre). Mas tudo parecia ter perdido a graça, afinal era o Elvis, parceirão. Ficamos tão amigos, que até pegá-lo e acariciá-lo eu fazia. E, agora lá estava ele estendido, duro e frio com algumas formigas se encarregando de começar o processo natural de limpeza e abastecimento de víveres, seus, claro.

Ainda bem que hoje em dia há a internet.
Our last Good-bye. Rest in peace, great Elvis!
