Deixe a luz passar!

Deixe a luz passar!
Fiat lux!!!

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Elvis morreu!


É verdade, aconteceu de anteontem pra ontem. Pela manhã tivemos a constatação. Uma grande tristeza acometeu a família. Elvis, o grande Elvis. Cantor fenomenal, impunha seu canto madrugada adentro, sem contudo, ser um boêmio. Mas, como gostava mesmo de cantar, cantava nas madrugadas. Claro que eu senti mais sua morte. Fui eu seu fã número um. Lembro-me bem da primeira vez que o vimos. Imponente e garboso com sua indumentária natural caminhava na alameda que ligava a casa ao pomar, próximo às jabuticabeiras. Não se incomodou com nossa presença, apenas dignou-se a nos olhar e, eu diria, desdenhoso continuou sua caminhada em passo de duque, todo engalanado com destino a uma possível festa da nobreza. Colhemos muitas jabuticabas e nos despedimos da tia de minha mulher; mas aquela imagem não me saía da mente. Não sabíamos seu nome e nem por que estava lá. O fato é que marcou sua presença junto a nós, principalmente junto a mim. Saímos pelo estúdio.

Algum tempo se passou até que voltássemos ao cenário que nos apresentou, mesmo que só visualmente. Dessa vez o Jarbas, marido da tia de minha esposa, percebeu sua aproximação e o tocou carinhosamente. Pensei: caramba, ele é amigável e se dá bem com o Jarbas, afinal é só pose que ele tem, é de carne e ossos como todo vivente. O Jarbas me confidenciou que o tratamento entre eles tinha sido daquele modo desde sempre. Admirei.

Depois daquela demonstração de boa convivência, passei a admirá-lo e observar suas atitudes. Passava o dia vagando no pomar e ao anoitecer dirigia-se a casa e permitia-se um repouso. Era sua rotina diária. Acordava cedo. Cantava suas canções. Saía em direção ao estúdio e só voltava à noite, para então ocupar seus aposentos. Um ciclo de vida simples, mas repleto de namoradas, umas quinze. Todas muito lindas também, como ele. Assim era o Elvis.

Nossa vida tomou rumos que só nos permitiu um reencontro depois de alguns meses. Perguntei à tia de minha esposa se poderíamos levá-lo para nossa casa. Surpreso, recebi seu consentimento. Estava decidido: agora mudaríamos sua rotina, interferiríamos diretamente em sua vida programada. O estúdio, ele deixaria para trás. O vasto pomar, talvez só na lembrança. Afinal, nossa casa não dispunha de uma área tão grande quanto aquela, mas não era pequena e até tinha e tem mangueiras, jabuticabas, tangerina, acerola, enfim, um pequeno pomar. As namoradas, sim, essas não poderiam faltar e era até por esse motivo que já estávamos mudando sua vida. Só que não seriam mais as mesmas, arranjamos apenas três, novas e de diferentes origens, mas todas muito bonitas e não pareciam descontentes com a atual proposta. Pensamos que seriam do seu agrado. Não erramos. Ele se mostrou bastante entusiasmado, apesar de meio preocupado com a nova morada; notei. Outra mudança significativa foi nos aposentos. Agora sua rotina seria um pouco diferente, moraria fora de casa e teria que se arranjar, por enquanto, como pudesse com suas companheiras. Ele estava frente ao primeiro desafio: constituir uma família e em terras desconhecidas. É bem verdade que não seriam por muito tempo, era apenas uma questão de dias e tudo se arranjaria, estaria adaptado. Das três, a Carolina – homenagem à sobrinha Carol – foi a mais atrevida, deixou-se encantar por ele e logo estariam em namoricos fortuitos. A Pretinha deixou-se abater por ele e não o largava, estava sempre ao seu redor. A Branquinha, totalmente submissa aos seus caprichos, dormia aninhada a ele todas as noites. Definitivamente ele estava bem.

Depois de alguns dias vendo-os dormindo em condições não muito condizentes com sua estirpe, construí algo, que na minha concepção, assemelha-se a um palácio. Lá os alojei com alguma oposição de sua parte e da Branquinha. Acho até que por insistência dela, pois onde estavam, eles gozavam de alguma privacidade e pequenas regalias, apesar de ser ao relento, pobre Elvis. Ok, tudo bem, foi por pouco tempo mesmo.
Nesse “palácio”, Elvis, Branquinha, Pretinha e Carolina tiveram muitos descendentes.

Viviam felizes, até ontem.

Às seis horas da manhã, Salete dirigiu-se ao quintal anexo de nossa casa e serviu um, digamos, “café da manhã”, aos “hóspedes”. Notou, sem se preocupar, a ausência do Elvis. Eu levantei-me às sete e vinte e estava tomando café, quando ouvi a insistência da Salete a me chamar. Pensei, meio chateado, que não era hora de chamados insistentes naquele momento. Cedi e respondi ao seu chamado saindo à porta da cozinha. Nesse exato momento, minha mãe, que passa uns dias conosco, também saiu e deparamos com a Salete já despejando a notícia em nossas caras mal lavadas, a minha pelo menos, e explicando a ausência dele devido à sua morte misteriosa.

Aquela notícia pegou-me na pior hora do dia (qualquer hora entre cinco e nove horas é a pior hora do dia para mim, agora e sempre). Mas tudo parecia ter perdido a graça, afinal era o Elvis, parceirão. Ficamos tão amigos, que até pegá-lo e acariciá-lo eu fazia. E, agora lá estava ele estendido, duro e frio com algumas formigas se encarregando de começar o processo natural de limpeza e abastecimento de víveres, seus, claro.





Calcei minhas luvas de borracha e o peguei solenemente. Conduzi seu corpo até a cova que acabara de preparar e o depositei. Confesso que com o espírito abatido e tomado por um sentimento de profundo pesar. Ali estava o fim de Elvis, o galo retirado de um ovo e criado dentro de casa pela tia de minha esposa e dado a nós por confiar que jamais o comeríamos. Não o fizemos, mas até agora, no momento em que escrevo, não tive coragem de dar-lhes a notícia do passamento de Elvis. Até a Salete, vítima de suas investidas quando ela se aproximava do galinheiro para retirar seus descendentes (ovos), sentiu sua morte. Acreditem, Elvis morreu entre os dias vinte e nove e trinta de outubro de dois mil e oito. Nenhum jornal, rádio ou televisão noticiou.
Ainda bem que hoje em dia há a internet.



Our last Good-bye. Rest in peace, great Elvis!

domingo, 26 de outubro de 2008

Quando penso em você!


Um nó só.
Uma búlica e as bolinhas de gude mal jogadas.
Com vontade de ficar, tendo que partir.
Tudo embolado num balaio de bambu.

O meu tesouro sou eu.
Descoberto, estou nu,
E sem o menor problema,
Afinal, nasci assim.

Vejo inteligência na árvore que cresce um galho pra se equilibrar.
Vejo ignorância em muitas atitudes minhas,
Frutos de minha domesticação.
Ou será apenas sobrevivência? Não sei.

Para matar o enigma do bicho,

Corro pouco; ando mais.
Juro que não fui eu,
Mas entendi rápido.

Se tiver que eleger um poeta:
O boca do inferno.
Para lhe fazer justiça,
E se ele estivesse aqui, agora.

Será que troçaria hoje, soaria pelos vales dos edifícios?
Correria ou andaria pelas alcovas?
Sentaria em um boteco e observaria atônito que nada mudou?
Para, então, falar em voz de megafone quem é o rei.

Viu a confusão mental em que me envolvo quando penso em você?
Ouviu? Pelo menos leu?
Não? Que pena, hein!

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Seria, mesmo, culpa da parteira?


Alguns anos de formado e alguma prática odontológica levada a sério. Muita dedicação e estudo creditaram-me boa reputação junto a alguns colegas de profissão. Isso era muito reconfortante, gratificante e mais alguns “ante”.

Até que enfrentei o meu primeiro desafio perante um cliente. Era um homem jovem. Um camarada bem extrovertido, brincalhão, bem-humorado mesmo. Foi indicado por uma colega para uma cirurgia de siso, coisa comum em consultório, mas que exige, como todos os procedimentos, muita atenção, dedicação e planejamento.

Feita a anamnese, o paciente foi instruído a fazer exames radiográficos para localização do dente retido e incluso- é assim que nos referimos aos tais sisos- para se finalizar o planejamento e marcar a data da tal cirurgia.

Passado o tempo normal e previsto para a entrega dos exames, ele os trouxe. Discutimos a melhor data, fiz algumas recomendações de praxe por escrito e nos encontramos no dia da cirurgia, uns dez dias mais tarde. Perguntei se estava tudo bem, se havia tomado o medicamento prescrito, se estava decidido e se poderíamos começar os trabalhos. Respondeu que sim, que o quanto antes acabássemos melhor seria. Concordei e comecei a prepará-lo.


Uma piadinha sem graça aqui, outra ali (isso é o que melhor um dentista faz), e fomos progredindo até chegar ao ponto de anestesiá-lo. Feita a anestesia e a incisão, a divulsão dos tecidos moles: gengiva e mucosa adjacente, cheguei ao osso e comecei a removê-lo para acessar o dente e começar a retirá-lo. Até aí tudo normal.

Bem, nem tanto. O paciente começou a se mexer demais, o que me causou uma certa preocupação. Mas pensei tratar-se de uma “dorzinha” ou um incômodo por sentir-se invadido na sua intimidade. Não era, ele insistiu nos movimentos e levantou a mão. Nessa hora eu comecei a parar e já fui emendando:
- Oi, fulano, está doendo? Agüenta um pouquinho, já estou quase acabando, só falta segmentá-lo e pronto. Tá fácil, já vai sair.


Agora livre das minhas cem mãos dentro de sua boca, pôde se expressar com tranqüilidade, dizendo o que o inquietava tanto:
- Sabe o que é “doutor”, não está doendo não, mas é que o senhor está com o dedo no meu olho e....

Sem deixar que ele terminasse o que iria dizer, imediatamente me desculpei e completei dizendo que não era raro isso acontecer. Isso, porque nos concentrávamos no ponto interno e acabávamos penalizando a face e seus órgãos. Aí veio o pior. Eu lhe pedi que tivesse um pouco de calma, pois tudo se resolveria rápido e que eu teria mais atenção, sem enfiar o dedo em seu olho.

Pensei com isso ter resolvido a questão, quando ele me saiu com a seguinte explicação:
- Não é isso “doutor”. É que eu fiz um transplante de córnea por esses dias e o senhor estava pressionando exatamente esse olho.


Gelei. E não contive minha irritação. Aleguei que havia lhe perguntado sobre as possíveis cirurgias já feitas e se tinha alguma próxima à data dessa em curso. Afinal, uma cirurgia de siso não pode ser prioritária em relação a uma tão importante quanto uma de transplante de córnea.


Ele muito tranqüilo me disse que estava tudo bem e que poderia continuar. Eu já meio desorientado, mas sem poder parar àquela altura, continuei. A mente não parou de processar os acontecimentos, então soltei essa pérola:
- Sabe, fulano, você me desculpe mesmo. Mas é o seguinte, você pode até xingar a minha mãe, ok?
Ele acenou, pedindo para eu parar de novo. Parei e ele prosseguiu:
- Não “doutor”, nada disso. Sua mãe até que é gente boa, quem não presta é a parteira que deixou o senhor vir ao mundo.

Tive várias vontades inconfessáveis. Mas, fiz a única coisa certa e possível naquela situação: sorri, sorrimos todos; e concordei.


Só não consigo entender como ele sabia que eu tinha vindo ao mundo pelas mãos de uma parteira. Uma parteira não; a parteira. Minha tia e depois madrinha, Maria de Lourdes Alves Lemucchi. Penso mesmo que ela era uma fada, e das boas.

O dente? Tirei sim.

O paciente? Depois que removi a sutura, nunca mais soube dele.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Qual o sabor do amor?



O amor estava solto e passeava pelo ar.
Eu nem sequer sabia que ele tinha esse poder.
Mas tem.

Primeiro senti seu cheiro; mesmo sem saber de onde, senti.
Deslizou suave por meus neurônios, atacou minhas sinapses.
Penetrou fundo no meu ser.
Senti seu sabor indefinido. Amorfo? Definitivamente, não.

Depois eu o vi.

Não sei como, mas vi nitidamente.
Atingiu o ponto mais escondido de minha vontade e me fez cativo.
Algo mudou em mim, não sei bem o quê, mas mudou.

Agora já sinto a presença do que me despertou a alma.

A consciência de que a vida está além de mim, apesar de mim.
Descuido, talvez, dos sentidos alerta.
Ensinados a saber o óbvio, bem treinados na arte do esquecer, do não sentir despreocupado.

Onde estava meu instinto,
Químico amor?
Atacou minha juventude sem piedade, com crueldade até.
E depois com crueldade maior ainda me deixar sem chão, sem rumo, céu sem estrelas, sem farol, nau desgovernada de encontro aos rochedos.
Tempestade tropical, ciclones caribenhos a arrebatar o que sobrou de mim, dessa memória.

Misto de ódio e bálsamo que alivia e atormenta.
E o que eu faço com todo esse amor aprendido e apreendido,
Tão suavemente imposto?
Será que ele não sabe de que matéria sou feito?
Esse tal amor é estranho mesmo.
Começo a pensar que, amor personificado, não tem sentimento.
Ora, que paradoxo é esse?

É a essência.

É a vida real em choque com a idealizada.
Talvez unilateral. Talvez desiludida.
Talvez só a vida, sem limites ou conceitos e menos ainda preconceitos.
Sem qualquer antítese programada.
Sem amarras ou correntes para serem arrastadas em noite de lua cheia, assombrando os ainda não iniciados.
Um vício psicossomático sem cura. Graças!
Doce, salgado, amaro amor?

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

A imagem!!!


Ela se via e só.
Por mais que quisesse estar acompanhada,
Acabava olhando para si mesma e isso lhe bastava.
O Sol era seu cúmplice.
Por isso brilhava.
Sem ele nada acontecia, ela não acontecia.
Mas, um dia ela se deu conta de que não era senão a projeção
De uma imagem desenhada, bem desenhada no espelho
Não bastaram os sorrisos e os amigos, muitos eles eram.
Mas ela se via só.
Como se bastava, nada precisava.
A não ser do Sol.
Isso ela sabia, e assim vivia, só.
Com a presença do Sol.
Ninguém ousava lhe falar de outras estrelas, de maior grandeza.
Pois o Sol era o seu grande interesse vital.
E era.
Outro dia chegou, como tudo, em seu ciclo
Viu-se uma vez mais e sem se dar qualquer explicação sumiu.
O espelho se quebrou!
Ela reapareceu com luz própria e despida de qualquer lembrança.
Os amigos não a reconheceram, mas se apaixonaram pelo que viram.
Saiu pra olhar.
Descobriu a Lua, um satélite, e muitas, muitas estrelas.
Se emocionou.
Chorou,
Lágrimas desceram suaves por sua face.
Sentiu o sal tocar sua língua.
Descobriu o sabor.
Sorriu!
Não mais se importou que aparência tinha.
Era outra mesmo.
Ensaiou um blues,
Mas dançou mesmo foi ao som frenético de um frevo pernambucano.
Despertou com força pra vida e nunca mais sentiu falta de sua imagem
Refletida, bem desenhada no espelho.
Simples assim!

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Quase vinte e oito anos!!!


Que eu não sou muito convencional, isso quem me conhece sabe bem. Meio sem pavio, falo o que penso nas horas em que me calar talvez fosse uma melhor estratégia. Mas, concordo com a Paula Barros, tem hora que certas falas não coadunam com a verdade, e se eu me calar, é como se me arrancassem a alma, a própria vida e aí eu estaria avalizando a imbecilidade, a minha própria, por nada fazer, nem ao menos tentar.

É com esse comportamento, que não sei distinguir se é sentimento situacional ou demência mesmo, que tenho sobrevivido esses quarenta e nove anos.

Bem, mas quero falar mesmo é dos tais quase vinte e oito anos. Casei-me com uma mulher metade japonesa, um quarto brasileira e um quarto italiana. Amor à primeira vista, desses que se não emplacar o cara fica metade pelo resto da vida.
Emplacou. Tem havido altos e baixos, tempestades tropicais e subtropicais, nevascas, ciclones e “otras cositas más” em nossas vidas, mas temos sobrevivido com alguma dignidade, ainda.

Sou meio racional, digo meio porque não consigo planejar. E só porque planejei tenho que matar a emoção. É um problema isso. Se intuo o contrário, mudo de rumo rapidinho e o combinado já não vale mais. Acho que é instinto de sobrevivência o nome disso, é assim que entendo.

Bem, casamos. Ela com seus cinco meses de gravidez, dezessete anos. Cheia de orgulho e vazia de experiência. Eu, do alto dos meus vinte e um anos era totalmente imaturo, um menino. Tudo acertado pelas circunstâncias para culminar com um tremendo caos. Crianças sem juízo.

Não há senso em começar assim e continuar caminhando achando que as coisas se acertam por si só. Mas, acreditem ou não, tem sido assim. Está dando certo. Claro que a paciência e tolerância orientais são o que faz o fiel da balança manter-se equilibrado.

Mas aquela gravidez continuava em curso. E aí é comum planejar e buscar nomes, idealizar sonhos e tudo que, quem já passou ou passa, sabe como é. A escolha do nome é coisa séria, pensávamos. Então, vamos escolher o nome. Depois de passar por várias opções, empacamos em dois deles: Mayara e Talita. Que dificuldade. Chegamos à conclusão que Talita era o nome. Acertamos, fizemos juras disso e daquilo, mas o nome estava decidido, já não era um problema.

Dia treze de outubro de mil novecentos e oitenta. O dia D-1. Noite de primavera, muita chuva no cerrado. Muito sono. Muita dor e uma mulher tentando dizer que algo não estava bem. O sono era pesado demais. O medo e a insegurança mais ainda.
- Dorme, dorme que isso passa logo. Não passava. E não passou.
Pela manhã, dia D, portanto, visita ao médico. Veio a constatação óbvia: você está em trabalho de parto. Vamos para o hospital que já vai romper a bolsa.
Fomos. E não é que o médico estava certo. Algumas horas depois nascia uma menina com dois probleminhas, segundo o pediatra. Bem, pais e mães sabem o que isso significa. Quase desabei, mas perguntei:
- Doutor quais são os probleminhas?
Ele:
- Nasceu sem dentes e careca.
Quase dei nele, mas relaxei e sorri. Era um brincalhão o Dr. Leles, ex-controlador de tráfego aéreo, também.

Ora, ora, então estava tudo bem. A criança bem, a mãe estava ótima, cabia a mim correr ao cartório e registrar a herdeira do reino do nada. Fiz meu papel direitinho. Registrei a menina. Agora tinha nome. Voei para o hospital, não antes de ligar para os amigos distantes, parentes próximos e falar de minha, de nossa alegria. Cheguei ao hospital e já fui mandando:
- Aí, registrei a menina, Salete.
Salete:
- Que bom. Botou o nome de Talita, como combinado?
Gelei. Sabia que tinha algo estranho, pois o nome não fechava bem aos ouvidos. Acho que com ar de surpreso, respondi perguntando:
- Era Talita que a gente tinha combinado?
Ela, a Salete:
- E não foi o nome escolhido, Tadeu?
Eu, com ar mais surpreso ainda:
- Ué, eu achei que era Mayara. Era Talita? Tem certeza?
Ela:
- Claro que tenho. Você registrou como Mayara?
Eu:
- É, botei Mayara. Fiz besteira, né?
A mãe:
- Não, tudo bem. Tanto faz, o importante é que está tudo bem, ela está bem, eu estou bem e amanhã saio daqui.
Calado, assenti com a cabeça concordando.


Mayara!
Dia quatorze de outubro de mil novecentos e oitenta, o dia em que eu saí do chão e andei nas nuvens pela primeira vez. Depois andei mais algumas vezes, mas isso já é outra prosa.





Quais os preços da modernidade?

Eu tenho a impressão de que ainda não me dei conta totalmente do que signifique ter um celular. É verdade.

Sábado, depois de deixar meu filho no trabalho, notei que havia esquecido a caixinha de voz em casa. Até aí, dirão: tudo bem, nada de novo. Mas, após essa constatação, tive a certeza de ter perdido um membro: um braço, quem sabe uma perna. Foi aí que caiu a ficha (não resisti ao trocadilho, apesar de orelhão já está quase extinto do nosso universo, penso): algumas coisas entram em nossas vidas e se integram de tal forma, que já não existimos completamente sem elas. Esse é o caso do tal telefone celular. Juro que relutei até onde pude, mas acabei me rendendo por um apelo profissional. Perdi aí minha privacidade e algo mais que não sei bem o que é, ainda.

Podem me chamar de antiquado, retrógrado e quantos qualificativos tiverem à mão, mas a sensação de perda por ter um celular é maior do que a de poder que a modernidade me dá. Essa história de falar a qualquer tempo não me seduz mais. Portanto, só isso já bastaria para por fim ao meu bendito celular, o que seria outra estupidez (a primeira foi ceder ao apelo de tê-lo).

Imagino que há pessoas que ao saírem de casa, façam um “checklist”:

documentos: ok;
chaves do carro: ok;
óculos: ok; e...
Parece que é só, mas essa impressão de que estou esquecendo algo não cessa. O que será? Não consigo me lembrar do que seja. Ah, o mais importante, o celular!
Ele chama a companheira:
- Meu bem, por favor, pegue o celular pra mim. Não sei onde estou com a cabeça. Esquecer logo o celular.
Ela atendendo à solicitação:
-Nossa, você enlouqueceu? Onde já se viu andar sem o celular. Só você mesmo. Ainda bem que se lembrou antes de sair. Aqui, toma, vê se não esquece mais.
Para algumas pessoas nem é um objeto, é antes um lugar: Não, ele não está em casa, não. Mas liga pra ele, ele está no celular.

É, e assim vamos nos modernizando, encurtando as distâncias, ganhando tempo e aquecendo o cérebro até virar pipoca. Juro! Vi um filme no “youtube”. Mas já há vários desmentidos a respeito. Não se pode confiar. E eu nem tentei a experiência. Esqueçamos o filme do ‘youtube’!
Mas, lembremo-nos da pergunta da sábia Vivian: "você questiona o que lê, ou vai acreditando a esmo?".

Aqui é aqui mesmo!!!

clique na imagem para vê-la ampliada!

De volta ao empirismo?
Ou será apenas uma carência formal da educação?