http://1.bp.blogspot.com/-2V16rr73v2s/TzKe7KjrUOI/AAAAAAAABX0/AYxbuzrbKYc/s320/Arcanjo+Lycan+Na+Noite+de+Lua+Cheia.jpg
Enquanto a lua passeava em sua rotina celeste eu permanecia
parado, acompanhando apenas com o olhar sua trajetória. Senti um pouco de frio
e me acomodei na rede, puxei suas bordas e me cobri. O corpo aquecido quis
dormir, mas teimei em continuar acordado revendo minhas lembranças: lugares,
pessoas, aromas e um menino que habitou alguns tristes pores de sol nas
montanhas de Minas Gerais.
Lembrei da avó que o levou a conhecer e reconhecer as
plantas medicinais e que o pôs à prova em momento de real necessidade. Saiu-se
bem. Aprendeu direito. As feridas foram curadas e até hoje sabe o poder que tem
a “carobinha do campo”. Seu irmão talvez nem se lembre disso; o menino sim.
A igrejinha hoje nem existe mais, derrubaram. O gente que
gosta de apagar a memória do povo. Impossível não lembrar, neste momento, de George
Orwell (Eric Arthur Blair) e seu 1984 sempre atual.
Acabaram com a estrada de ferro que ligava a cidade a, salvo
engano, Tiradentes. Tá lá a máquina parada, virou peça de admiração das
pessoas, podia estar fazendo um bom trabalho e gerando renda para o município e
o povo, trazendo e levando gente.
Até o riacho em que o menino costumava cruzar pisando nas
pedras já mudaram. Tudo bem, fizeram uma ponte bem legal e útil a todos,
espero; não pude constatar.
Quer saber não sou contra mudanças, mas é foda quando matam
nossa memória, nossa história e destroem nossa identidade.
O Mestre Severino sabia de tudo e o Pedrinho de todos. Ambos
deixaram sementes que estão germinando, mas que estão ocupados tentando construir
e viver suas próprias histórias.
Revisitei a ponte em construção. Hoje já mais que acabada,
resiste sobre a linha férrea. Não sei como me deixei convencer em meus plenos
seis anos de idade, por meu primo e um bando de loucos moleques irresponsáveis,
a passar sobre aquele monte de ferro armado e pronto para receber o concreto.
Não sei mesmo, mas passei. Era um teste, agora me dou conta, também passei, a
prova é que estou aqui. Tá, já tive muitos pesadelos por conta disso, mas e
daí, eu os teria de qualquer modo e ainda os tenho. O bom é que criança voa e
voando escapa de tudo, até dos pesadelos.
Por falar em pesadelos o cemitério da igreja foi o campeão
em minha vida. Aquele lugar povoou meus sonhos mais que qualquer outro; tenho
certeza disso.
E a Guiomar, aquela mulher estava mil e trezentos anos à
frente de seu tempo. Acho mesmo que caiu de alguma nave interestelar que
passava por ali, de bobeira, dando um rolé: pimba! Caiu e ficou pra trás. Sorte
tê-la conhecido agora e sem medo.
O Doutor Euclides acho que era farmacêutico e curava tudo. Sinto cheiro do iodo e o
vejo em seu habitat. Só tenho dúvidas de sua aparência, devo tê-lo visto umas
duas ou três vezes em toda a minha existência lá.
Tio Mané foi o cara mais engraçado que conheci e que humor
tinha aquele sujeito. Dele guardarei o céu estrelado que vi pela primeira vez
montado em suas costas, com a cabeça inclinada para trás, descendo o morro aos
solavancos de suas passadas. Depois disso nunca mais deixei de olhar o céu. Obrigado,
Tio Mané!
http://www.1000dias.com/fototmp/574-ceu-estrelado-no-vale-do-matutu---mg-dsc_0845.jpg
Tia Tunica me conduzia pela mão, pacientemente, até a lavoura
onde meu pai trabalhava como empregado. Não me lembro de como se chega nesse lugar,
mas me lembro muito bem da estrada por entre a plantação de tomates - sinto, até hoje, o
perfume dos frutos verdes e de alguns já amadurecendo - e do encontro com
meu pai, na chegada. Não falava ainda, mas, se falasse, diria que aqueles foram
momentos muito felizes.